sexta-feira, 9 de março de 2012

Carnaval

Teu olhar varreu minha dor tão ligeiro Quando vi era teu meu corpo inteiro Teu cheiro me libertou a alma perdi razão e calma Toque suave e abraço quente fizeram-me fogueira ardente O cio se fez eterno nas noites de chuva e mar O frio desfez-se tolo ao calor do teu ousar Rede colando ardor cerca selando amor Areia cala o pudor no altar de nosso andor Trilha escura ficando pra trás sorrisos beirando o cais Tua música de tanta paz seresta de blues e jazz Um anjo negro me ilumina e minam estrelas de mim Bolina os meus desejos com beijos loucos assim Cobre meu colo de dengo a tudo dizendo sim E eu, feito fogo de brasa, voo que nem passarim...

segunda-feira, 5 de março de 2012

diabinho torto

olha o que aconteceu um diabinho soprou do céu e no que deu? tocou fogo no cercado derrubou tábua e virola tirou anum da gaiola cajueiro estremeceu travou luta noites seguidas diabinho louco venceu êta, bichinho danado ardido que nem pimenta só o olhar atormenta se faísca solta no meu simbora, anjinho torto deixa de tentação veja no que já deu! mas volta, demora não meu canto de arribação é chuva brindando o chão querendo chamego seu vixi, bichinho matreiro o vento trouxe teu cheiro chegou e me adormeceu

sexta-feira, 2 de março de 2012

Hoje somos todos Kamikazes

Sou personagem urbana. Maria. Não sou fruto de uma infância fria de amor. Nasci no interior, onde as estatísticas mostram ser maior a probabilidade da inocência. Quando criança, não presenciei pessoas se ferindo, soltando farpas gratuitas e preventivas. Quando criança, o medo só aparecia no rastro das estórias do boi-de-cara-preta. Depois o medo passava. E ficava um sentimento profundo de alívio, de quem encara o mergulho no escuro, supera o medo e emerge com uma força capaz de enfrentar a maior dor. E assim correram meus dias. O amor me conduziu. E, naturalmente, me fez acreditar nos seres humanos. Enquanto crescia, os conceitos de mundo se atropelavam e se organizavam em mim, e revelariam, a seu tempo, as dimensões antagônicas da condição humana. Mesmo assim, preferi acreditar na compaixão, no erro por tentativa de acerto – não no erro proposital, premeditado e cruel. Hoje, adulta, o desencanto engoliu-me a coragem de caminhar sozinha e destemida. Meus pares, nascidos sob frias estratégias de sobrevivência, ainda crianças experimentavam o cinismo do mundo real. Fácil perceber minha desvantagem no cenário pós-moderno. Mas isso não importa. No final que se desenha, não fará a menor diferença ser Enéas ou Maria. Meu medo é que a história não recue alguns passos na memória, para recompor sua trajetória. Pior ainda, nem mesmo nos vemos à deriva... A sensação é de que aceleramos numa challenger, com toda pompa e ansiedade, para logo em seguida explodir. A cultura forjada nos modelou e me levou à angustiante constatação: para garantir o quinhão muito embora sejamos kamikazes, hoje somos todos covardes ou muito embora sejamos covardes, hoje somos todos kamikazes. Enfim, a ordem dos fatores não altera o produto. Contudo, prefiro ser Maria e acreditar em compaixão.

Pensar, pensar, pensar...

Tenho pensado muito. Pensar angustia. Pensar mata. Mata de raiva, de ansiedade, de medo, de indecisão. Pensar é duro! Pensar é cruel. Pensar aprisiona na impossibilidade; ata os sonhos e desata as lágrimas. Pensar dói. Se pudesse, escolheria não pensar, pelo menos um bom tempo... Daria uma pausa à minha dor, à minha dor de alma. Seria a cura à minha própria dor. A pausa seria um sopro de vida. Não...de esperança. Se eu pudesse, pararia tudo e a mim. Esqueceria. O esquecimento seria a parada onde ficariam acorrentadas todas as idéias. O devir não viria e o pensamento não me faria sofrer. Se tanto fere o pensar, o quanto tortura a incapacidade de agir?... Tenho agido nada. Não agir nada congela. Não agir não é pausa; não é sopro. Não agir também é dor. Se pudesse minhas atitudes seriam corajosas. A covardia e a preguiça não fariam em mim sua morada. Envergonha-me não estar em movimento. E por isso recolho-me. Sequer sinto. Sequer desejo. O sentido perdeu-se. Revelou-se em mim a tal miséria humana. Nada de poesia. Nada de luz. Se eu pudesse bloquearia um pensamento que, como cometa, acabou de cruzar meu cérebro: a semana deveria ser sete noites e apenas um dia, e nesse dia eu me esconderia numa caverna. Pensar pra quê? Sentir pra quê? Agir pra quê? Embora meu pai sempre dissesse que” a ignorância é a mãe de todos os vícios”, se eu pudesse escolheria ignorar. Sem saber não se sofre. Já chega. Não quero pensar no que meu pai falou, mesmo sabendo que ele estava coberto de razão.

Emoção flutuante

Meus lençóis já não me suportam. Suas flores jazem desbotadas e murchas. Até a trama de algodão macio se rompe após tantos diuturnos sons das cigarras. Eu não sou. Conflitos insuportáveis me engasgam e me consomem. As pausas da minha respiração parecem intermináveis. Estou presa ao desmoronamento de mim. Sem conceitos. Sem convicções. Escorrem babas e lágrimas e as contrações incontroláveis do meu corpo, pesam e pesam, e pesam. Alguém me garantiu que o sol nasceria. Onde? Quando? Tenho que sair. Tenho que sair. Não quero fugir, entretanto. Adiar não devolve as cores do jardim de minha cama, nem tece os fios de minha segunda pele. Levo as mãos ao rosto, escondendo-o de mim. Tento ouvir o silêncio. Chego mesmo a ouvir as pulsações, o barulho da água a me percorrer as veias. Depois o nada. Suspiro e elevo as pupilas ansiosas em ver além. Tudo está calmo. Sem cheiro. Inconsciente. Perdi-me. O contato se desfez. Nada me atinge. Nem mesmo o sol raiou para mim. Não consigo mover-me; não consigo buscá-lo. Se ele alcançasse ao menos as flores dos meus lençóis... Inútil querer-me conduzir por minha ânima em mim. Simplesmente, entrego-me. Estou numa montanha-russa entre saudade, compaixão e as pausas de um mundo real. Enquanto engulo lágrimas e respiro descompassado, atendo ao telefone e, pela enésima vez, digo- gentilmente- não, senhora. Não quero assinar esta TV digital... Pouso o telefone. E o direito de chorar em paz volta a reinar. Tudo se torna um melodrama de uma vida, por hora, medíocre e desencantadora. A música da novela, que já nem sei qual é, dá o ritmo às minhas sensações, e uma melodia arranca de mim a mais pura e verdadeira dor. Dor às avessas, dor perdida no tempo, dor sem nome. Meu olhar alcança os espaços e cada quadro revela sua natureza morta. E as gravuras se repetem em série, sem conseguir de mim nenhum sorriso. Rir seria abandonar essa onda de altos e baixos e, quem sabe, flutuar redesenhando outras formas muito além desse meu cotidiano empastado e previsível. O barulho da porta batendo surpreende-me. O vento se aloja junto a mim, pressentindo meu lamento. Assoprando meu cabelo. E, carinhosamente, o põe em desalinho lembrando-me que ainda estou aqui. E nessas idas e vindas, no momento de nova pausa para o mundo cartesiano, meu pensamento lança no baralho existencial, uma carta com um naipe de desenho óbvio. Uma poeira ao vento. E uma sentença. Emoção flutuante. O cérebro, outrora passivo, recorre à lei da inércia. Um corpo, assim, permanece até que uma força incida sobre ele. Este corpo sou eu.Imóvel e, apesar de tudo, infelizmente borbulhando, a todo vapor. Tomo consciência de que ninguém pode viver minha vida por mim. A questão é que não tenho outro plano B e não há outra de mim em mim. Meus eus sumiram. Até deles estou só. Eu e o bendito vento. Ocorreu-me ser essa a função do vento, ligar - e não espalhar - os eus solitários. Despertá-los, reacendê-los, juntar-lhes os caquinhos. Venta, vento. E leva de mim, mundo afora, essa dor de amor ao mundo. Queria mesmo não me comover com esse grito de injustiça, tão global e tão particular. Queria deixar-me impávida a essa incoerência da existência humana. Por que, então, sermos nascidos com tantos desejos que chegam a enlouquecer? Desejo de amor ao mundo, de dignidade a cada um; desejo de poder sonhar, desejo de flores, água na pele e sol? Cadê esse lugar sob as asas do rei? Novo vento. Agora, da janela que abre em banda. Em seu rastro, raios de luz morena sobre o quadro de Klimt. O beijo, em minha parede parece responder-me. Figuras retas se confundem com esferas coloridas numa comunhão celestial. O toque dos amantes escorre em flores à beira do precipício, sem temê-lo. O mundo está ali. Os antagonismos em busca da infinitude. Fusão de tudo. Cores, dores, amores... Isso, o delicioso Machado já dizia. É, poeta, a melhor definição de amor não vale mesmo um beijo. E o beijo do vento de agora me alcança e se faz em mim. E continua a desalinhar meus cabelos, minhas inspirações e expirações. Não, não estou só. Tenho o vento. Venta, vento. E me abra a janela inteira da alma. Leva-me ao sol. Dê-me asas mais verdadeiras que as de Ícaro. Quero voar. Quero voar...

E por falar em nobreza de caráter...

Os inescrupulosos exibem sua crueldade arrotando arrogância e proclamando-se acima do bem e do mal; com freqüência, sarcasticamente, se regozijam em aviltar a dignidade dos outros. Assemelham-se aos loucos em transe de insensatez, arremetem farpas, venenos e munição tal qual metralhadora giratória. Os outros, o outro, não existem, não existe aos olhos dos inescrupulosos. Os inescrupulosos são invejosos e sua vaidade corrompe seu caráter sorrateiramente, quando se põem em ação, ao escolher seus alvos, ou seu alvo com fúria sádica e desumana. Os inescrupulosos não constroem apenas se empenham em destruir o que não se encaixa em seu medíocre e fútil universo. Os inescrupulosos apenas bradam hostilidade, ou manipulam pobres seres que têm a infelicidade de cruzar seus caminhos e, sem perceber se deixam manobrar por ofertas de migalhas, que certamente, em algum momento, fatalmente serão cobradas, de modo humilhante e escravizante. Os inescrupulosos se arrastam silenciosos, como répteis frios e sórdidos. Os inescrupulosos arregalam seus olhos ao vislumbrarem alguma forma de poder; tornam-se cordeirinhos frente aos seus superiores, lobos frente aos seus subordinados e serpentes prontas a dar o bote nos demais. Aos olhos dos inescrupulosos todos são ameaça, porque os inescrupulosos são covardes. Covardes e imbecis ao não perceberem que, ao agir deste modo, estão andando em círculos. Os inescrupulosos não alçam vôos, nem sequer crescem, principalmente enquanto seres humanos. Na verdade, os inescrupulosos enganam-se a si mesmos ao se imaginarem Deuses e, paradoxalmente, negam até mesmo alguma divindade que possuam quando extirpam qualquer compaixão ou altruísmo que, por ventura, ousem passar por perto de sua carcaça impura. Os inescrupulosos cavam seus buracos e se escondem, recalcados, na sua incapacidade de amar, de compartilhar, de se solidarizar ao se depararem com o outro, ou os outros, em situações que precisem de apenas um pouco de compreensão. Os inescrupulosos não admitem a liberdade dos outros, aliás os inescrupulosos sequer admitem a própria liberdade. Julgam-se no direito de condenar toda e qualquer atitude alheia que fuja de seu script de vida estreito e mal rabiscado. E, condenando os outros, condenam-se a si mesmos ao continuarem amarrados em comportamentos e julgamentos preconceituosos, caluniosos e infames. Os inescrupulosos são vermes ou porcos que exercitam seu assédio moral fuçando na lama, espalhando sujeira e atingindo a todos com sentimentos e manobras fétidos, maquiavelicamente tramados. Os inescrupulosos se alojam em feudos corporativos e bajulam-se entre si. Os inescrupulosos não inspiram confiança, são víboras peçonhentas que semeiam discórdia e subserviência. Os inescrupulosos jamais serão transparentes porque pautam suas escolhas em tramas sórdidas e nebulosas; porque viverão, eternamente, na escuridão por não terem a humildade e a coragem de se revelar; porque não possuem autenticidade ou brilho próprio e sim, arrogância. Os inescrupulosos não têm alma, simplesmente porque se empenharam em mata-la. Alma é, poeticamente, a elevação do espírito e inescrupulosos não se elevam, pelo contrário, insistem em puxar o tapete daqueles que tentam alicerçar e projetar quaisquer sonhos. Os inescrupulosos não sentem qualquer culpa em expor, humilhar ou ridicularizar os outros. Aliás, os inescrupulosos julgam se fortalecer com estas atitudes vis. Quanto mais pisam na dignidade alheia, mais inflam o peito e se condecoram detentores do trono real. Os inescrupulosos não têm amigos, têm cúmplices. Enfim, os inescrupulosos não se convencem de que nada têm. Não têm honra, respeito, admiração, amizade ou amor incondicional. Infelizmente, a única coisa que os inescrupulosos possuem é a companhia de reféns; espíritos fracos e servis, que temem a sua vez de serem abatidos, visto que há muito já foram aprisionados por seus algozes numa ardilosa e medíocre arapuca.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

revolvo-me dentro d’alma o pensamento fala apertam-se as redes internas nelas velas luzes e estrelas brilha-me o cérebro o coração os olhos sinto-me inteira pele lágrima sorriso e aura expresso-me sincera fixa-se o olhar revela-se o verbo concebe-se o toque aproximo-me do mundo lendo-o em gestos linguagem se move corpos se encontram idéias se lançam emaranham-se fala pele alma vida tecida em teias renascem o desejo a busca o eixo de partida pra algum lugar ***

por um fio

certo está o assobio em não precisar de nada tanto espero, quero e berro absorta e baratinada assobio segue solto sabido como ninguém desafia ouvido mouco ligeiro seduz seu bem certo está o assobio sem esforço gaba e fala despreza calor e frio e eu fina figura rala de pé só por um fio ***

anjo negro

ter teu peito tão perfeito ter tão perto tão incerto tanta tolice em vão tanto tato tanto gesto tanto tempo tonto teto faz isso comigo não

sem contato

é dia pouco importa nada aprecio só da luz o talão a tarde finda torta no apê sombrio nem mesmo um cartão à noite abro a porta vejo o chão vazio morta a ilusão ***

corpos suados entrelaçados
hora anulam espaços atados
olhos em lances enfeitiçados
perseguem gestos sincronizados
pele na pele
úmido hálito
farto deleite
doce regato
ares escapam do peito ofegados
cenas se movem por todos os lados
surpresas e gritos
presentes gemidos
débeis sussurros aflitos
ânsia conduzindo o passo
desejo ilumina o ato
calor e fascínio
lua, cor e tino
entre amores indo
os seres meninos
num riso indomado
pele na pele
úmido hálito
bocas tocadas
beijo roubado
arrepio d’alma
invade, sela e cala
revivendo o sonho
sufocando a calma
emoção infinda
viva desde então
num canto vadio
rompendo a razão

música, poesia e guaraná


biscoitos, lágrimas e sorrisos
balões nos ares, corpos nos ares
de tanta alegria e saudades
as rosas pousaram nas mãos
e os olhos viram além de nós

solidão


de um lado a lâmpada acesa
do outro murchos os balões
na parede sem quadros
o silêncio por todos os lados
sombras pela sala
almofadas sem alma ou cor
mofadas, num canto guardadas
o tapete amacia meus pés
eu me rendo ao seu chão
no centro do teto um ponto preto
um inseto
uma aranha? um besouro?
um bichinho de asa e esperto!
pulou pra sacada
será um vaga-luma?
piscou! de novo!
luz apagada pra ver melhor
a dança da luz
voou bem longe...
nem luz, nem sombras.
meu corpo tocando o veludo
meus olhos cerrados
e o silêncio por todos os lados
***

eu só quero amor de mansinho
eu só quero flor e carinho
sua palavra amena
seu sorriso maroto
sua alegria plena
eu só quero cor e doçura
eu só quero seu mel
sua cura
***

ciúme e mágoa


aperto que rasga a capa do coração
couraça de flandres em frangalhos
estrangula o fôlego no sopro estagnado
escorrem nas veias espinhos de aço
suspiro agoniza no peito apertado
solta-me!
livra-me!
deixa-me!
eu grito
calado...baixinho...sussurro e calmo
que nada! responde,
sou fantasma enjaulado.
invado-te, rôo-te, babo-te
sugo-te
e mato.

último fio

Sinto-me sonolenta e cansada. Pessoas rondando pela sala com ar perdido, em busca de sonhos ou soluções de problemas. Querem agarrar-se no último fio, na cauda da possibilidade de serem ricas e felizes. Pensam numa felicidade não fugidia. A vida é momentânea. A felicidade não é perene como aquele rio de águas límpidas esperadas. Algumas tintas borram o sorriso do nosso rosto. Algumas notas desafinam a cantiga dos nossos sonhos e buscas. Pessoas... pessoas murmurando, segredos, angústias, repressões... Meus ouvidos não distinguem, embora meus sentidos percebam, com nitidez, o reclame de cada voz, das vozes em coro. Eu... envolvida nessas vozes, como a mais perdida partícula do caos.

amenidades em prosa e verso

Estar perto não é estar dentro. Estar perto é estar ao lado, quase dentro. Posso estar perto, bem perto; posso estar ao lado, bem ao lado, ao alcance do toque das mãos; posso estar tão perto a ponto de sentir o odor, o calor, a umidade da respiração; posso até mesmo tocar... e não estar tão perto assim. Se não estou dentro, não estou envolvida. Preciso estar dentro da alma, do peito, do pensamento, do corpo, da pele, do olhar, do centro. Só assim, estar perto, estar ao lado, estar ao alcance do toque das mãos, é estar dentro e presente. É estar vivo.
***
Corre que eu te beijo. Vem que eu te desejo. Pára e fala. Come e cala. Sobe a escada à bala. Saca, eu não te deixo. Doida, perco o eixo. Mas eu não me queixo. Quero só te amar.
***
Parodiando Lígia Brock: “afinal, queres ou não queres descobrir o que guardo na segunda gaveta do meu querer?”.
***
As coisas não caem do céu? Caem sim. Se caem pra os outros por que não cairiam pra mim?